14/05/2009

Cada um tem as obras que merece

O meu amigo Carlos Vale publicou esta semana no jornal "Povo da Beira" um artigo sobre os gostos e preferências das pessoas acerca da "Arte", que eu penso deve ser lido e reflectido sobre todos os albicastrenses. Aqui o deixo à vossa consideração com a permissão do seu autor:

Cada um tem as obras que merece

“A verdade, tal como a arte, depende de quem a contempla”

Há cerca de três anos, o Centro de Artes e Espectáculos (CAE) da Figueira da Foz, promoveu uma exposição de arte que incluía um lavatório com um canto partido e os pedaços estilhaçados no chão. Tratava-se da escultura de Jimmie Durham “As Frases”, avaliada em 27.000 euros! No dia seguinte, as empregadas de limpeza olharam para os “cacos” no chão e interrogaram-se se seriam para deitar para o lixo. Decidiram que sim, e vá de puxar da pá e da vassoura e pimba, foi tudo directamente para o contentor. Tudo não! O lavatório com o canto partido ficou.
Com a escultura amputada, reinou a confusão. O responsável do CAE, procedeu a um inquérito para apurar responsabilidades. Não sabemos se foi divulgado. O que se soube é que o comissário da exposição considerou a situação insólita porque dizia: “tivemos o cuidado de informar a equipa de limpeza que estava no local quando da montagem da exposição e que aquilo (cacos) fazia parte da obra.”
Houve quem opinasse que, provavelmente, esqueceram que as equipas de limpeza são variáveis. Ou que, talvez, não tivessem procedido à verificação se a equipa de montagem teria colocado aquilo (cacos) na sua posição original com rigor absoluto, o que a não acontecer dificultava o entendimento exacto da obra. O que se compreende.
Chegou a falar-se que a empresa proprietária da obra de arte exigia ser indemnizada e que a seguradora assente em eventuais falhas se recusava a pagar. Ainda assim, houve quem brincasse e dissesse que era impossível repor a obra de arte tal como era, que por mais lavatórios que se partissem, a obra, jamais ficaria igual ao original, o que eu, mesmo não sendo perito, asseguro como certo. Certezinha absoluta.
Com o mesmo espírito divertido, ou talvez não, houve quem prestasse homenagem às empregadas de limpeza porque, de certo modo, tinham contribuído para o movimento dadaísta, com uma nova obra de arte a rivalizar ao lado do autor e de Marcel Duchamp, com o seu famoso urinol, intitulado a “Fonte”.
Mais ou menos na mesma altura, a desgraça nunca vem só, um artista plástico francês, Pierre Pinoncelli, foi conduzido ao tribunal, e forçado a pagar 214.000 euros ao Centro Pompidou, por ter atacado à martelada uma das oito versões do urinol de Duchamp. Já em 1993, tinha urinado numa outra cópia do urinol, (compreende-se, era um urinol), destruindo-o depois. Pinoncelli explicou ao juiz que a sua atitude não era de ódio à obra, bem pelo contrário, era um fervoroso duchampiano e até exigiu que o urinol não fosse restaurado, nem encarado como um objecto vandalizado, mas sim como uma nova obra de arte, à qual acrescentara a sua assinatura. Embora a argumentação tivesse os seus fãs e estas coisas da arte gerem sempre divisões, o juiz não se deixou convencer.
As divisões até são aceitáveis, já que, se estendem aos próprios peritos. Basta lembrar o que se passou em 1917, aquando da apresentação do célebre urinol a “Fonte”. Duchamp comprara o urinol numa empresa de materiais de construção. Assinou-o com o pseudónimo, R. Mutt, e inscreveu-o para figurar numa exposição de arte de cujo júri ele próprio fazia parte. A peça, causou escândalo, que era o que Duchamp esperava, e foi rejeitada. Como se vê, as divisões dão-se, ao mais alto nível…
O próprio Duchamp, já tinha protagonizado um outro episódio com um postal cópia da Mona Lisa (Gioconda) de Leonardo da Vinci, que retocou, acrescentando-lhe, a lápis, um bigode e uma barba em bico. Teve mais sorte que Pinoncelli. Nunca foi julgado!
Melhor, em 6 de Dezembro de 2004, a organização do Prémio Turner, o maior prémio britânico para as artes plásticas, atribuiu, por larga margem dos inquiridos, o Prémio à célebre “Fonte” de Duchamp, á frente de “Les Demoiselles D`Avignon” (2º) e de “Guernica” (4º), ambas de Picasso, de “Marilyn Diptych” (3º) de Andy Warhol e ainda de, “O Atelier Vermelho” (5º) de Henry Matisse.
Para o meu gosto, preferia “Les Demoiselles D`Avignon”, “Guernica” ou qualquer das acima mencionadas, além de muitas outras que conheço. Mas quem sou eu, que apenas tem obras de artistas amigos e de familiares, além de uma serigrafia de razoável tamanho da “Guernica” de Picasso que trato com especial carinho, para questionar?
Pelo meio destas e muitas outras peripécias, novas e antigas, já muitos pensadores famosos entraram em polémica, havendo mesmo os que sustentam que há um palavrório próprio de uma opacidade muito conveniente para sustentar o negócio. Mistérios!
Com tudo isto, acabo por ficar na dúvida se as marteladas, os retoques, as emendas e os remendos que a obra do “Polis” do arquitecto catalão Josep Lluis Mateo já levou, fazem parte de qualquer fúria destruidora ou se, se enquadram no pensamento de Pinoncelli, convencidos de que estão a construir uma nova obra de arte. Sendo assim, temos a honra e o proveito, de entre nós, haver uma corrente Pinonceliana, que os próprios desconhecem, o que não é mal algum, nem a primeira vez que acontece. A arte tem coisas destas e podia dar-lhes para pior. Com uma marreta nas mãos nunca se sabe!
Como é do conhecimento público nunca foi do meu agrado as opções do arquitecto Mateo. Desconheço qual a sua posição face ao que se passa. Apenas li nos jornais que ele terá dito que, Castelo Branco nunca foi uma cidade completa.
Mas isso, até, Monsieur De La Palisse concorda!

Carlos Vale

1 comentário:

João Teixeira disse...

Gosto de te ler desta forma solta e cheia de humor. Não há dúvidas, meus amigos: "Castelo Branco nunca foi uma cidade completa" pelo simples facto dos responsáveis locais - permite-me a anedota - não saberem nunca a diferença entre a chávena e o penico...
Há coisas que nunca vêm por acréscimo. A confusão é uma arma muito traiçoeira...
Abraços
João Teixeira