25/04/2010

O 25 de Abril e a cidade de Castelo Branco

As comemorações dos 36 anos do 25 de Abril em Castelo Branco consistiram, como já é hábito, de uma sessão da Assembleia Municipal, onde alguns fazem um discurso de circunstância e mais nada. E não passam por cima da data porque ainda parece mal. Pelo menos evitavam ouvir algumas verdades.
Neste sentido apresento a intervenção lida hoje na Assembleia Municipal pelo meu amigo e camarada João Pedro Delgado, em nome da CDU:



Bom dia a todos os presentes,
Nasci em 1978. Não vivi o 25 de Abril, e contudo vivo-o todos os dias, vejo-o acontecer e vejo-o ser desmantelado, peça a peça, para venda. Quanto refiro que o vejo a ser vendido ao capital, não é a efeméride do 25 de Abril em si que constitui mercadoria - apesar de essa também ser amiúde atacada - , mas sim as suas consequências mais importantes, ou seja os direitos fundamentais das populações.

O que é agora a principal mercadoria dos especuladores e do capital é não mais que a revolução de 74, que é como quem diz, o simples conceito de que a economia, a sociedade, a política, têm que processar-se em benefício de todos. De cada vez que os pouquíssimos ricos decidem ganhar mais uns milhões especulando sobre o trabalho de inúmeros homens e mulheres (hoje diz-se “mercado de trabalho”), promovendo a precariedade e a incerteza sob a ameaça do desemprego, está-se a desmembrar o 25 de Abril. De cada vez que um grupo Mello ou um Champalimaud se imiscui num monopólio essencial à sobrevivência do homem - seja ele um hospital cujos lucros aumentam à medida do sofrimento e incerteza dos doentes, seja ele a distribuição de água cujos lucros aumentam à medida das necessidades básicas de cada família -, está-se a desmembrar o 25 de Abril. Todavia, já pouco há desmembrar. Falta apenas o golpe de misericórdia e, mesmo esse, anuncia-se para breve com o PEC e os apetites do FMI.
Mas dizia eu, nasci em 1978, e como tal não vivi o 25 de Abril. Muitos dos que conheço, porém, viveram-no. Pelo facto de militar no partido em que milito, cheguei aliás a conhecer muitos dos que durante toda uma vida lutaram para que ele acontecesse. E sem nunca ter tido contacto directo com muitos outros, sinto que os conheci como ninguém, a esses que prescindiram dos confortos da vida regular e familiar, e abraçaram uma vida de clandestinidade, atirando-se muitas vezes à tortura, à prisão, ao encerramento em campos de concentração, à pistola assassina de qualquer esbirro... Esses sonhadores clandestinos morreram lutando, não pelo seu partido, não pela sua vida, não pela sua família, mas sim por todos os partidos, por todas famílias e por todas as vidas deste país. E conseguiram vencer.
Regressando agora ao desmembramento de toda uma sociedade: de cada vez que se vende mais uma parte do 25 de Abril, ofende-se a memória desses Homens e Mulheres que morreram pelas suas conquistas.


Não o vivi, não o vi ao vivo, nem na televisão, nem na rádio. Mas vivo diariamente o 25 de Abril e conheço-o profundamente. Através da história, através dos camaradas e amigos que o viveram, o fizeram e o colocaram a favor do povo e, principalmente, através da Constituição da República Portuguesa. Esta Constituição, votada por todos os partidos desta câmara em nome de todos os portugueses, e que os sucessivos governos PS/PSD/CDS decidiram não cumprir, violar, traír, alterar, desfigurar, por vezes com recurso a violência, colocou o povo português na vanguarda política. E na vanguarda porque os deputados, mandatados pelo povo, decidiram naquele dia fazer justiça: de aí em diante tudo o que o povo produzisse reverteria para o benefício do mesmo. A acumulação capitalista à custa da exploração do próximo cessaria; já não haveria quem dissesse, como tão bem ilustrou Barata Moura “Os outros que vão trabalhar, que eu cá estou para receber!”.
Todos sabemos que assim não tem sido, e todos sabemos também que existem culpados para o facto, com nomes, caras e partidos bem definidos.
Porém, os ecos do 25 de Abril de 1974 dizem-me ainda o seguinte, no preâmbulo da Constituição:
«A 25 de Abril de 1974, 0 Movimento das Força Amadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país.


A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.”
Mesmo amputada severamente, a Constituição da República Portuguesa faz prosseguir o espírito do socialismo que todos os portugueses decidiram ser o melhor para Portugal: é por essa sociedade pela qual nós lutamos, em nome das pessoas, feita por e para o povo, em direcção ao socialismo, tal como todos os actores políticos lutariam, caso não tivessem mudado de ideias várias vezes nestes últimos 35 anos.


O 25 de Abril, como eu o vejo, é todavia passado: é passado a data da revolução, como é evidente, há 36 anos. Os seus efeitos, infelizmente, são também passado, ou estarão prestes a entrar nas folhas da história. Não haja dúvidas que o Estado de hoje, a Economia de hoje, não é feita para o bem-estar colectivo. Onde está a “democracia política, económica, social e cultural”? Foi aniquilada. Foi roubada aos portugueses pelos grupos económicos e pelos governantes que com eles pactuam.


Onde está a jornada máxima de 8h? O sistema de saúde universal e gratuito (que chegou a ser o 12º melhor na OCDE... que diferença para os dias de hoje, em pleno desmantelamento)? O ensino universal e gratuito? As infra-estruturas sociais universais? A política pública de habitação universal? Enfim, a paz, o pão, a educação, a saúde, a habitação?
Tempos houve em que a Universidade não era considerada um mercado, e em que a educação era vista como um bem colectivo e um direito universal. Desde a introdução de propinas, no entanto, a inscrição de alunos pobres diminuiu cerca de 33%, e isto no mesmo período em que a pobreza aumentou vertiginosamente!
Tempos houve em que a banca estava ao serviço dos portugueses, e não contra eles, alimentando riqueza rápida à custa de crises cíclicas criadoras de brutal sofrimento.
Tempos houve, ainda os vivemos, mesmo que por pouco tempo, em que os correios e rotas postais estavam ao serviço das populações e não contra elas: qual será, depois da privatização anunciada, o gestor que manterá aberto o posto de correios da pequena vila que, sendo um serviço público de proximidade, dá prejuízo ano após ano?
Tempos houve em que as telecomunicações, a água, as infra-estruturas de transportes, os recursos energéticos, os recursos naturais e ambientais estavam ao serviço das populações e não contra elas.
Hoje temos, a título de exemplo, concessionárias administradas por ex-governantes - do partido actual do governo ou do que alterna com ele - a negociar a exploração de infra-estruturas básicas de transporte (como a A23) com uma Estradas de Portugal pública, mas de direito privado, também administrada pelos mesmos ex-governantes do partido do poder ou do outro, por forma a sanear as suas escandalosas contas e torná-la apetecível para o capital privado, através de negócios sem fim, mas dos quais todos sabemos o resultado: ganham eles, perdemos todos.
Depois de sonegarem todo este universo de bens naturais às populações, vendem agora às mesmas o produto do seu próprio trabalho por preços incomportáveis. O que antes era de todos, é agora só de alguns, e quem quiser, paga, assim o salário de 500 euros da empresa de trabalho temporário chegue.
Não deixa de ser curioso que, 36 anos depois, tudo esteja a ser desmantelado em benefício de negócios e negociatas feitas pelas mesmas exactas famílias que antes formavam o grosso da fileira corporativa do fascismo. A vingança dessas mesmas elites está aí, e quando os clássicos acumuladores de capital se vingam do 25 de Abril, vingam-se na prática em todos nós, os que trabalham e vivem do seu trabalho, os que produzem e lutam para viver a sua vida; vingam-se por fim em nós comunistas, mas também em vós, militantes dos outros partidos que preconizaram para Portugal, em 1976, um país em direcção ao socialismo.


O PCP tem lutado contra este roubo, luta hoje e lutará no futuro. Durante os 40 anos do fascismo lutou em condições de dureza inimagináveis, tudo deu para que o 25 de Abril fosse colocado a favor das populações, tudo dará para que o nosso Estado, supostamente democrático, continue a fazê-lo e lutará sem tréguas para que um próximo 25 de Abril, uma próxima revolução, seja ela também feita em benefício do povo, aprofundando a sociedade socialista com que todos os partidos aqui hoje presentes se comprometeram.


Por fim, apenas referir que não podemos dissociar o 25 de Abril da sonhada sociedade socialista. Para o PCP, para o PS, para o PSD, para o BE, para os Verdes, para o CDS-PP, enfim para todos os portugueses legitimamente representados na Assembleia Constituinte daquele 2 de Abril de 1976, dizer “Viva o 25 de Abril” significa gritar “Rumo ao socialismo”. E é dessa mesma forma que termino:

“Viva o 25 de Abril”, “Viva o Socialismo”.

2 comentários:

Anónimo disse...

viva o 25 de abril, viva o partido Comunista,Sr. Paco já que fala no museu amanha terça feira, pelas 18h sessão de poesia com o Dr. António Salvado como vê nem tudo é mau.Júlia

Paco disse...

Cara Júlia
Embora apareça anónima, não o é. Amiga Júlia, quando falo do museu não quero pôr em causa os seus trabalhadores, de quem sou amigo e respeito, porque são trabalhadores honestos e que tudo fazem para dignificarem uma "Casa" que merece ser valorizada.
Eu ponho em causa é a política seguida pelos responsáveis que não aproveitam e valorizam as potencialidades do nosso museu.
Obrigado pela sua informação, mas infelizmente, por motivos profissionais, não posso assistir à sessão de poesia.
Paco