22/02/2011

UM DEDO QUE ADIVINHA

A sempre oportuna crónica do meu amigo João Teixeira acerca dos levantamentos populares nos países árabes. Como sempre, o seu texto é claro, lúcido e irónico. Aqui fica para que os leitores a possam apreciar.



UM DEDO QUE ADIVINHA

Quem construiu Tebas, a das sete portas… Não, esperem, não era isto que queria dizer. Foi Brecht que assim falou no seu célebre poema “Perguntas dum operário letrado”… Vêm a propósito as manifestações de descontentamento – de revolta para a hipocrisia universal – no Magreb e Médio Oriente que, como os cogumelos, parecem de geração espontânea, como pareceram as da Europa de leste nos anos oitenta, como pareceram as que contestaram Allende em setenta e três, como parecem, enfim, para as vítimas, todos os gestos altruístas dos predadores nos contos de Andersen. Contudo, o escritor dinamarquês teve o condão de evidenciar o bem e o mal, não fossem as criancinhas pensar que o mundo é cor-de-rosa e está cheio de bons rapazes… É o efeito de contágio, dizem uns; de dominó, glosam outros; da CIA, digo eu, até que um qualquer wikiLeaks do futuro publique os textos e as fotografias, por enquanto guardados a sete chaves. No tempo em que nós e os coelhos nascíamos com olhos fechados, era possível acreditar neste milagre da multiplicação das boas vontades e do súbito alvor democrático, como se, por magia, todos acordássemos ao mesmo tempo e na mesma almofada. Hoje, tudo tem uma explicação mais terrena e mais objectiva; ficaram para trás a coincidência e outros fenómenos inexplicáveis. Não estou a dizer que a cáfila de títeres naquelas paragens é boa gente assediada por hordas de malfeitores, não, digo que os EU se cansaram dos afilhados que apadrinharam e promoveram durante décadas, que acumularam fortunas incalculáveis à custa da exploração e repressão dos respectivos povos e decidiram adoçar príncipes e sultões, para que a sua diplomacia avance e arrume a casa de novo à sua medida, sem necessidade de utilizar a cavalaria, que entretanto diz desmobilizar de forma gradual e pacífica. Com ou sem Obama, os EU continuam a ser os EU. Desenganem-se aqueles que sonham que a estratégia mudou só porque o presidente americano come hamburgers no meio da rua. Todas as famílias têm um ancião que um dia desmascarou, olhos nos olhos, o neto mais propenso à asneira com a frase mágica: tenho um dedo que adivinha. Aí caíam por terra todos os pueris argumentos. Na verdade, não é preciso ser velho e, muito menos, ter por neto tão previsível ganapo, para adivinhar a nova patifaria ianque. Além do mais é useiro e vezeiro nestas andanças, pois não conhece outra forma de agir desde os tempos em que partiu das ruas e prostíbulos da Europa do norte, embarcado como ratos, de pistola em punho, em busca da terra prometida, já nessa altura, porém, propriedade de outros, que prontamente espoliou para se impor como herói e polícia do mundo. Depois? Depois, tudo ficará como até aqui, as democracias emergentes voltarão a ter o aval norte-americano e Israel ficará eternamente agradecido ao seu incondicional amigo e capaz de reforçar a sua política expansionista naquela zona do globo. A menos que, coisas do meu dedo que adivinha, os povos árabes tomem verdadeiramente o destino em suas próprias mãos e promovam de vez a paz, o bem-estar social e o progresso de tão martirizados seres humanos. João de Sousa Teixeira teijoao@gmail.com

1 comentário:

Carlos Vale disse...

Magnifico texto. Uma descrição espantosa, oportuna e verdadeira.
Fiquei maravilhado. As minhas felicitações. Um abraço.
Carlos Vale