06/06/2009

Um poeta surrealista

António Maria Lisboa teve uma vida curta (1928 - 1953). Na apresentação de um livro com a sua poesia, editado por "Editores Independentes", escreveu Mário Cesariny, seu amigo e contemporâneo:
"Desaparecido em plena juventude, António Maria Lisboa deixou uma obra escassa mas nem por isso fulgurante.(...) Pode, e decerto deve, ser considerado o mais importante poeta surrealista português, pela densidade da sua afirmação e na "direcção desconhecida" para que aponta."
O poema é retirado precisamente deste livro: POESIA

O AMOR DE ARTHUR RIMBAUD
O MESTRE DO SILÊNCIO

Na montanha onde moram as estrelas
bosques que existem há mil anos
de cabelos negros como o luar e a brisa da tarde
quando entra branda entre as pétalas das flores
que se inclinam sobre o morto que dorme
e misteriosamente repete:

"Sur l'onde calme et noire où dorme les étoiles
Un chant mystérieux tombe des astres d'or"
semi-saído da terra com um olho infinito aberto
morto há um ano ao nascer da lua
morto há um dia ao nascer da rosa
morto há um sonho, morto há um gesto
frente ao sopro das árvores da noite
tocou o seio infante numa primavera
e misteriosamente repete:

"O pâle Ophélia! belle comme la neige!
Ciel! Amour! Liberté! Quel rêve, ô pauvre Folle!"
transparente sobre a terra mole de lava de estrela
sobre cabelos idênticos aos dos mortos desolados
morto há mil anos repete:

"La blanche Ophélia flotte comme un grand lys"

o morto misteriosamente diz:

"Il y a une horloge qui ne sonne pas"

António Maria Lisboa [1928-1953]

Sem comentários: