06/01/2009

"2009: O ano que ninguém desejava"

O meu amigo Carlos Vale que escreve regularmente uma crónica semanal no jornal "Povo da Beira" iniciou o novo ano com um texto cujo título é o que se indica. Com a sua devida anuência divulgamos o texto publicado:

"A crise que insistiam em negar está aí e veio para ficar. Apesar de haver quem alertasse que mais tarde ou mais cedo a "bolha" rebentava, o triunfalismo reinante exercido pelo poder económico e também pelo poder político da sua confiança só tinha olhos para a partilha do dinheiro fácil obtido através de jogos financeiros fraudulentos que contavam com a preciosa ajuda ou omissão conivente dos organismos fiscalizadores e reguladores, fossem eles privados ou públicos.
Perante o cenário devastador, 2009 passou a ser o ano de todas as desgraças. Até o "optimista-mor", J. Sócrates, que sempre negou a crise, de um momento para o outro, acabou por afirmar que 2009 representava a dobragem do Cabo das Tormentas.
De súbito, 2009 passou a ser um ano difícil. Tão difícil, que ninguém o desejava. Com o aproximar da quadra natalícia e das festas do Ano Novo, comediantes, cartoonistas, escritores, realizadores, jornalistas e muitos outros intervenientes dedicaram muito do seu trabalho e da sua criatividade ao ano 2009. Bastante utilizado foi o anedotário nacional que saiu substancialmente enriquecido. O tema contou igualmente com a contribuição da tradicional graça e sabedoria popular, património do nosso povo. Houve quem, com elevado e oportuno sentido de humor, "festejasse" a entrada em 2010. Argumentavam que era uma hipocrisia desejar como bom o que se sabia ir ser mau. Percebemos e naturalmente também nos rimos!
Todavia, qualquer que seja o nosso desejo, 2009 existe. Ele aí está. Terá, como os outros, 365 dias, 52 semanas e 12 meses. Para muitos, 12 dramáticos fins de mês.
Humor à parte, uma coisa é certa: 2009 é um ano importante. Não só, porque vai ser necessário dar resposta aos problemas e necessidades dos que mais precisam, assim como para apurar as responsabilidades dos verdadeiros autores da "economia de casino", que causou graves distorções económicas, financeiras e sociais que estão na origem da maior e mais grave crise de que há memória na economia portuguesa e que tantos sacrifícios custaram e vão continuar a custar à grande maioria da população.
Por outro lado, 2009 é ano de eleições. Por três ocasiões os portugueses vão poder rever as suas anteriores escolhas para o Parlamento Europeu, para a Assembleia da República e para as Autarquias Locais. São três oportuinidades que os cidadãos eleitores têm para alterar muitos dos factores que levaram ao agravamento da qualidade de vida, à perda do poder de compra, de direitos sociais, na saúde, na educação e na justiça e com a sombra do desemprego a pairar, permanentemente, sobre as suas cabeças.
Em 2009, é tempo de parar com a política de mentira de Sócrates e das promessas não cumpridas. Em oito anos, Portugal não mais parou de descer no barómetro das desigualdades e das injustiças sociais. É tempo de parar de se justificar com a mentira descarada de que é a crise internacional a culpada de tudo o que está a acontecer, quando ainda pouco tempo antes a negava. O que ele pretende é esconder o facto incontestável de que muito antes de ser declarada a crise internacional, já o seu Governo tinha mergulhado o País numa grave crise económica e social, assim como quer justificar que é a mesma a culpada de todas as medidas gravosas que se prepara para aplicar.
A verdade é que a política de Sócrates seguiu as dos anteriores governos, cujo objectivo essencial foi a defesa dos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros, contrária aos interesses nacionais e penalizadora dos interesses de quem trabalha ou vive das suas pensões ou reformas, a quem sempre recusou qualquer ajuda.
Ao contrário, como factos recentes provam e como por magia, milhões e mais milhões apareceram para resolver os problemas dos ricos, para salvar bancos falidos, para tapar buracos sem fundo, na sequência de falcatruas, que constituem verdadeiros casos de polícia. Para uns, tudo. Para outros, só dificuldades. Será que crime compensa?
Seguiu-se a famosa intervenção natalícia do primeiro- ministro, que superando-se a si mesmo, revelou uma imaginação sem limites para o auto-elogio dos seus "feitos" e ao puxar para si próprio a baixa da taxa de juro para a compra de habitação, quando todos sabem não ser da sua competência. Os portugueses não são estúpidos...
Obviamente que a participação democrática não se esgota com a realização de eleições. Os portugueses sabem-no muito bem e têm-no demonstrado no terreno, ao participarem activamente em muitas das lutas levadas a efeito até ao momento, lutando por melhores condições de vida e evitando males piores.
O que já se sabe sobre o aumento do desemprego, do aumento das dificuldades para milhares de famílias, dos aumentos dos preços já anunciados, energia, portagens, pão e também o aumento do preço da água com que a Câmara de Castelo Branco "brindou" os albicastrenses, não augura nada de bom para a vida dos portugueses.
Por tudo isto, 2009 representa uma grande oportunidade para mudar de rumo."

(Carlos Vale, publicado em Povo da Beira, 6 de Janeiro de 2009)

6 comentários:

Stalker disse...

Olá, Um bom ano!
Infelizmente, isto só mudaria de rumo se houvesse um verdadeiro cataclismo, com muitos "mortos e feridos". Essa enxurrada teria de levar o nosso sistema político e os seus hábitos e culturas e devia obrigar, pela sua natureza, as pessoas a tomarem verdadeira consciência do que tem sido Portugal.
Espantosamente, no Natal gastou-se mais do que no ano passado e no outro e as eleições que se aproximam não auguram nada de bom.
Gostava imenso de saber como é que se consegue apontar ao rumo que Carlos Vale refere, pois eu não vejo alternativa que não seja a de uma dolorosa mas efectiva revolução.

Anónimo disse...

Bom ano!
Dirijo os meus votos à continuação da expressão da consciência crítica do autor deste blog.
No meu entender, e discordando do comentário anterior, as revoluções não são soluções milagrosas. O que muda um país são os seus habitantes, com a sua ambição de querer algo melhor para todos e não só para si próprios e para os seus filhos. Filhos e netos da revolução há muitos e bem instalados, zelando pela sua poltrona!
Este blog é uma contribuição para a mudança!
Feliz 2009

Paco disse...

Caro Stalker
Desejo-lhe um bom ano de 2009 apesar das previsões apontarem para grandes dificuldades para a grande maioria dos portugueses, especialmente os mais frágeis.
Em relação à questão que você levanta sobre o artigo do Carlos Vale, o comentário da Ana é uma possível resposta. Talvez o Carlos Vale dê também algum esclarecimento.
Paco

Paco disse...

Ana
Desejo-te um óptimo 2009 e quero dizer-te que aprecio muito o teu comentário com o qual estou totalmente de acordo.
No ano de 2009 vamos ter muitas lutas e este blog é também um instrumento e um contributo para elas. Continuo a contar com a tua participação e ideias.
Um abraço
Paco

Anónimo disse...

Bom sinal. há debate. só por isso valeu a pena. Agradeço o interesse de Paco, Stalker e Ana. Objectivos da crónica: 2009, a crise e actual situação - Existência de muitas frentes de luta - As eleições fazem parte e podem gerar alterações importantes - Lembrei que a democracia não se esgota com elas - Daí, a necessidade do apoio às lutas por uma sociedade mais justa e fraterna - Outras lutas mais avançadas? - Só quando criadas as condições objectivas e subjectivas - cada uma no seu momento. Creio que Stalker me entenderá, tal como eu o entendi... Bom Ano. Carlos Vale

Stalker disse...

Eu entendi caro Carlos e a única coisa que eu escrevi foi pobre retórica apontando para uma necessidade mais profunda de mudança, fruto de um forte desalento pessoal.
Tal como a Ana, eu acredito na capacidade de cada um ser semente de mudança, mas nunca achei o querer melhor para os seus próprios filhos e para si próprio um problema, desde que se respeitem e ajudem os outros.
Um Bom Ano para todos.
Carlos Semedo (por aqui, Stalker)