03/09/2008

A poesia de regresso

Tal como afirmámos na primeira mensagem dedicada à poesia e aos poetas continuamos a divulgar hoje um poeta de Castelo Branco e um dos seus poemas mais belos e mais conhecido. João Roiz de Castel-Branco é hoje mais conhecido porque o seu nome identifica uma das escolas da cidade. Divulgamos também um outro poeta, que embora não seja natural de Castelo Branco a sua família é originária do distrito, do concelho de Idanha-a-Nova. Manuel Afonso Costa além de poeta é professor e tem publicadas alguns livros de poesia e também de História.

SENHORA, PARTEM TAM TRISTES

Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.

Partem tam tristes os tristes,
tam fora d’esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

João Roiz de Castel-Branco [século XV]

A tarde completa como se
o momento de sermos se reduzisse
ao modo como o vento espreita
e toda a ousadia desse crime mergulha
no espaço no lastro da tua
impaciência
a nuvem que o ar paralisa
o sentimento que te empurra para
dentro do silêncio fará da tarde
tela inacabada
e como tudo o que é interrompido
devolver-te-á o sentido do ser
a tua tristeza sem razão que se veja
a tua tristeza sem remédio
Tal como a noite que chega
sem saberes estás ligado ao tempo
através de nomes que são também
objectos da mesma biografia.

[Manuel Afonso Costa, Os Limites da Obscuridade]


Imagina o que a cidade segrega
certas ruas alguma mágoa
Despes-te em frente ao espelho
dos meus olhos devagar
porque há em cada gesto
uma casa onde a luz se apaga
uma praça de súbito vazia
um último café de bairro
fechando as portas
eu passo nesses gestos
que te aproximam do sono
esse mínimo espanto
com que prolongas a cidade

[Manuel Afonso Costa, Os Limites da Obscuridade]

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